Discussões e Comportamento, Moda  //  19.08.2021

A comunicação de moda para mulheres negras

Todas redes TIPO4 se propõem a falar sobre beleza e moda partindo de uma perspectiva que evidencie a presença da mulher negra nesses universos. Sendo assim, eu, mulher negra, discuto as minhas próprias questões e processos à medida que eu trago esses conteúdos para vocês. E recentemente eu me peguei pensando sobre a minha incapacidade de me reconhecer enquanto sujeito potente e ativo na construção do meu próprio estilo.

Esse post fala de moda e da auto sabotagem que eu exerço sobre a minha habilidade de comunicar através dela.

Eu já falei em outros conteúdos, mas é importante ressaltar que moda é comunicação. A moda é uma linguagem não verbal e atravessada por elementos como cultura, espaço e tempo, sujeita às influências que tornam a vida em sociedade desigual, como o racismo, sexismo, capacitismo e outros.

A imagem da mulher negra na moda ainda é uma pauta que precisamos debater e entender a fundo, porque essa relação afeta diretamente a nossa autoimagem. Os pressupostos da colonização se aplicam também a essa narrativa e por isso as violências se reproduzem, como o apagamento identitário, um roubo histórico.

A moda pode agir como um instrumento de validação social. A roupa que você veste e principalmente a mensagem que você constroi a partir dela, pode ser usada como um recurso que representa quem você é. Mas imagina o quanto que é difícil se perceber responsável e capaz de ter sucesso nesse tipo de comunicação, que está muito além do que você fala (e pior) está principalmente relacionado ao que o outro vê.

Digo isso, porque mesmo depois de tanto tempo estudando moda, mesmo com todas as minhas vantagens sociais e meus recortes específicos, mesmo depois de estar formada comunicação social com ênfase em jornalismo e me dedicar a três especializações que apontam para a comunicação de moda (processos criativos e gestão de coleções, personal stylist e consultoria de cores), ainda assim por vezes eu me sinto sabotada.

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Guio as minhas clientes no processo de percepção, construção de estilo e imersão na experiência com as cores, mas também reconheço que esse processo sofre interferências à medida que a moda utiliza de recursos que vão falar pelo indivíduo. No caso de mulheres negras, por exemplo, o racismo gera uma violência que representa um ruído nessa comunicação. Ou seja, os mesmos recursos que mulheres brancas utilizariam para transmitir uma mensagem, podem e muito provavelmente não vão receber a mesma leitura quando uma mulher negra utiliza, porque esse é um nível de conversa que depende da leitura do outro.

Visualizando em fatos: uma mulher preta é mais facilmente questionada sobre a originalidade de seus produtos de grife, independente de sua classe social, em diferentes proporções do que acontece com uma mulher branca. A mensagem que esse elemento emite deixa de ser sobre poder, riqueza, autoridade, e entra em um lugar de falsificação, embora seja o mesmo recurso. Percebe a problemática? Isso sem nem entrar no debate sobre a credibilidade atribuída (ou não) às mulheres negras profissionais de moda.

É por isso que é tão relevante ampliar esse tipo de discurso e seus desdobramentos. Para que o olhar da violência racial ou de gênero tenha cada vez menos força nos resultados das nossas experiências com a comunicação, especialmente de moda, nesse caso.

Quando nos privam do acesso à moda, nos silenciam em uma expressão de comunicação que está além da fala. E se você mulher negra já se sentiu um peixe fora d’água e, assim como eu, já se sabotou em relação a processos através da moda, saiba que tudo isso faz parte de uma questão que está muito além de você.

Joicy Eleiny
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2 Comentários em “A comunicação de moda para mulheres negras”
  1. Gessi Nunes   20 ago 2021 // 11h07

    Antes de qualquer comentário, quero agradecer por inspirar tantas outras mulheres.
    Quando criança, sonhava que quando eu fosse adulta, seria uma mulher linda, bem vestida e que arrasava nos looks, mas quando finalmente me tornei adulta, enxerguei a moda muito além das minhas possibilidades, me senti deslocada, sem referências. Alguém que só se veste. Sem estilo, sem coragem de usar o que queria, porque estaria fora dos padrões. Infelizmente ainda tenho muito disso, e cada roupa que compro ou ganho, na maioria das vezes não me enxergo nelas. A auto sabotagem é uma constante, mas os olhares? Me fazem sentir mais “medo” ainda de ser e usar o que quero.

    • TIPO4   25 ago 2021 // 01h40

      Que forte o seu depoimento!! De fato, ainda precisamos caminhar muito mesmo para que a moda se torne democrática e acessível em toda sua representação. Seu comentário foi assertivo demais. O sentimento que trazemos pra dentro é fruto do que vemos o outro apontar, com certeza! Espero que você consiga ressignificar essa jornada de se enxergar através da moda e espero que o TIPO4 possa te ajudar a fazer isso.

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