Todas redes TIPO4 se propõem a falar sobre beleza e moda partindo de uma perspectiva que evidencie a presença da mulher negra nesses universos. Sendo assim, eu, mulher negra, discuto as minhas próprias questões e processos à medida que eu trago esses conteúdos para vocês. E recentemente eu me peguei pensando sobre a minha incapacidade de me reconhecer enquanto sujeito potente e ativo na construção do meu próprio estilo.
Esse post fala de moda e da auto sabotagem que eu exerço sobre a minha habilidade de comunicar através dela.
Eu já falei em outros conteúdos, mas é importante ressaltar que moda é comunicação. A moda é uma linguagem não verbal e atravessada por elementos como cultura, espaço e tempo, sujeita às influências que tornam a vida em sociedade desigual, como o racismo, sexismo, capacitismo e outros.
A imagem da mulher negra na moda ainda é uma pauta que precisamos debater e entender a fundo, porque essa relação afeta diretamente a nossa autoimagem. Os pressupostos da colonização se aplicam também a essa narrativa e por isso as violências se reproduzem, como o apagamento identitário, um roubo histórico.
A moda pode agir como um instrumento de validação social. A roupa que você veste e principalmente a mensagem que você constroi a partir dela, pode ser usada como um recurso que representa quem você é. Mas imagina o quanto que é difícil se perceber responsável e capaz de ter sucesso nesse tipo de comunicação, que está muito além do que você fala (e pior) está principalmente relacionado ao que o outro vê.
Digo isso, porque mesmo depois de tanto tempo estudando moda, mesmo com todas as minhas vantagens sociais e meus recortes específicos, mesmo depois de estar formada comunicação social com ênfase em jornalismo e me dedicar a três especializações que apontam para a comunicação de moda (processos criativos e gestão de coleções, personal stylist e consultoria de cores), ainda assim por vezes eu me sinto sabotada.
Guio as minhas clientes no processo de percepção, construção de estilo e imersão na experiência com as cores, mas também reconheço que esse processo sofre interferências à medida que a moda utiliza de recursos que vão falar pelo indivíduo. No caso de mulheres negras, por exemplo, o racismo gera uma violência que representa um ruído nessa comunicação. Ou seja, os mesmos recursos que mulheres brancas utilizariam para transmitir uma mensagem, podem e muito provavelmente não vão receber a mesma leitura quando uma mulher negra utiliza, porque esse é um nível de conversa que depende da leitura do outro.
Visualizando em fatos: uma mulher preta é mais facilmente questionada sobre a originalidade de seus produtos de grife, independente de sua classe social, em diferentes proporções do que acontece com uma mulher branca. A mensagem que esse elemento emite deixa de ser sobre poder, riqueza, autoridade, e entra em um lugar de falsificação, embora seja o mesmo recurso. Percebe a problemática? Isso sem nem entrar no debate sobre a credibilidade atribuída (ou não) às mulheres negras profissionais de moda.
É por isso que é tão relevante ampliar esse tipo de discurso e seus desdobramentos. Para que o olhar da violência racial ou de gênero tenha cada vez menos força nos resultados das nossas experiências com a comunicação, especialmente de moda, nesse caso.
Quando nos privam do acesso à moda, nos silenciam em uma expressão de comunicação que está além da fala. E se você mulher negra já se sentiu um peixe fora d’água e, assim como eu, já se sabotou em relação a processos através da moda, saiba que tudo isso faz parte de uma questão que está muito além de você.
Antes de qualquer comentário, quero agradecer por inspirar tantas outras mulheres.
Quando criança, sonhava que quando eu fosse adulta, seria uma mulher linda, bem vestida e que arrasava nos looks, mas quando finalmente me tornei adulta, enxerguei a moda muito além das minhas possibilidades, me senti deslocada, sem referências. Alguém que só se veste. Sem estilo, sem coragem de usar o que queria, porque estaria fora dos padrões. Infelizmente ainda tenho muito disso, e cada roupa que compro ou ganho, na maioria das vezes não me enxergo nelas. A auto sabotagem é uma constante, mas os olhares? Me fazem sentir mais “medo” ainda de ser e usar o que quero.
Que forte o seu depoimento!! De fato, ainda precisamos caminhar muito mesmo para que a moda se torne democrática e acessível em toda sua representação. Seu comentário foi assertivo demais. O sentimento que trazemos pra dentro é fruto do que vemos o outro apontar, com certeza! Espero que você consiga ressignificar essa jornada de se enxergar através da moda e espero que o TIPO4 possa te ajudar a fazer isso.